quinta-feira, 25 de outubro de 2007



- Ontem sonhei contigo.
- E foi bom?
- Não sei. Deve ter sido.
- Porquê?
- Porque acordei a meio da noite com sede.
- De mim?
- De nós.
- E depois?
- Depois foste beber água comigo.







quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Tadinho...




Tadinho deste blogue, tão abandonado!
Prometo regresso em breve e vão ter de me aturar...


terça-feira, 9 de outubro de 2007

Receita - Tortas de Natal


A cebola tem de ser picada miudinha. Sugiro-lhes que ponham um bocadinho de cebola na moleirinha a fim de evitar o incómodo lacrimejar que acontece quando a cortamos. O aborrecido de chorar quando picamos cebola não é o simples facto de chorar, mas sim às vezes começarmos, ou melhor, ficarmos picados, e já não conseguirmos parar. Não sei se já vos aconteceu, mas a mim, para dizer a verdade, já. Vezes sem conta. A Mamã dizia que era por eu ser tão sensível à cebola como Tita, a minha tia-avó.
Dizem que Tita era tão sensível que quando ainda estava na barriga da minha bisavó chorava e chorava quando esta picava cebola; o choro dela era tão forte que Nacha, a cozinheira da casa, que era meio surda, o ouvia sem se esforçar. Um dia os soluços foram tão fortes que fizeram com que o parto se adiantasse. E sem que a minha bisavó tivesse tempo para dar um ai, Tita chegou a este mundo prematuramente, em cima da mesa da cozinha, entre os cheiros de uma sopa de aletria que estava a ser cozinhada, do tomilho, do louro, dos coentros, do leite fervido, dos alhos e, é claro, da cebola.
Como poderão imaginar, a costumeira nalgada não foi necessária pois Tita nasceu a chorar de antemão, talvez por saber que o seu oráculo determinava que nesta vida lhe estava negado o casamento. Contava Nacha que Tita foi literalmente empurrada para este mundo por uma torrente impressionante de lágrimas que se derramaram pela mesa e pelo chão da cozinha.
À tarde, quando o susto já tinha passado e a água, graças ao efeito dos raios do sol, se tinha evaporado, Nacha varreu o resíduo das lágrimas que tinha ficado sobre a laje vermelha que cobria o chão. Com este sal encheu um fardo de cinco quilos que utilizaram para cozinhar durante bastante tempo. Este inusitado nascimento foi determinante para o facto de Tita sentir um imenso amor pela cozinha, sendo a maior parte da sua vida ali passada, praticamente desde que nasceu, pois quando tinha dois dias de idade, o pai, ou seja, o meu bisavô, morreu de enfarte. A Mamã Elena, com o choque, ficou sem leite. Como naquele tempo não havia leite em pó nem nada que se parecesse, e não conseguiram encontrar ama em lado nenhum, viram-se num verdadeiro sarilho para acalmar a fome da menina. Nacha, que sabia tudo acerca de cozinha — e muito mais coisas que agora não vêm ao caso — ofereceu-se para tomar conta da alimentação de Tita. Ela considerava-se a mais capacitada para «formar o estômago da inocente criaturinha», apesar de nunca ter casado nem ter tido filhos. Nem sequer sabia ler nem escrever, mas acerca de cozinha tinha conhecimentos tão profundos como as melhores. A Mamã Elena aceitou com agrado a sugestão pois já tinha que chegasse com a tristeza e a enorme responsabilidade de conduzir correctamente o rancho, para poder dar aos seus filhos a alimentação e a educação que mereciam, para ainda por cima ter de se preocupar em nutrir devidamente a recém-nascida.
Portanto, desde esse dia, Tita mudou-se para a cozinha e entre atoles e chás cresceu saudável e vistosa. Percebe-se, assim, o facto de ter desenvolvido um sexto sentido relativamente a tudo o que se refere a comida. Por exemplo, os seus hábitos alimentares estavam condicionados ao horário da cozinha: quando de manhã Tita sentia o cheiro dos feijões já cozidos, ou quando a meio do dia lhe cheirava que a água já estava pronta para depenar as galinhas, ou quando à tarde se cozia o pão para o jantar, ela sabia que tinha chegado a hora de pedir os seus alimentos.
Às vezes chorava em vão, como quando Nacha picava cebola, mas como as duas sabiam a razão dessas lágrimas, não as levavam a sério. Inclusivamente convertiam-se em motivo de divertimento, a tal ponto que durante a sua infância Tita não percebia muito bem a diferença entre as lágrimas do riso e as do choro. Para ela, rir era uma maneira de chorar.
Confundia igualmente o prazer de viver com o de comer. Não era fácil para uma pessoa que conheceu a vida através da cozinha entender o mundo exterior. Esse gigantesco mundo que começava na porta da cozinha que dava para o interior da casa, porque aquilo que fazia fronteira com a porta traseira da cozinha e que dava para o pátio, para a horta, para o quintal, pertencia-lhe completamente, dominava-o. Totalmente ao contrário das irmãs, a quem este mundo atemorizava e que consideravam cheio de perigos incógnitos. Achavam as brincadeiras dentro da cozinha absurdas e arriscadas, no entanto, um dia Tita convenceu-as de que era um espectáculo fabuloso ver como bailavam as gotas de água quando caíam sobre o comal muito quente.
Mas enquanto Tita cantava e sacudia ritmicamente as mãos molhadas para que as gotas de água se precipitassem sobre o comal e «dançassem», Rosaura permanecia num canto, pasmada com o que observava. Em contrapartida, Gertrudis, que gostava de tudo aquilo em que interviesse o ritmo, o movimento ou a música, sentiu-se fortemente atraída pela brincadeira e integrou-se com entusiasmo. Então Rosaura não teve outro remédio senão tentar fazer o mesmo, mas como quase não molhou as mãos e fê-lo com tanto medo, não conseguiu o efeito desejado. Tita então procurou ajudá-la aproximando-lhe as mãos do comal. Rosaura resistiu e esta luta não parou senão quando Tita, muito aborrecida, lhe largou as mãos e estas, por inércia, caíram sobre o comal ardente. Além de ter levado uma valente tareia, Tita ficou proibida de brincar com as irmãs dentro do seu mundo. Então Nacha converteu-se na sua companheira de divertimento. Juntas dedicavam-se a inventar jogos e actividades sempre relacionadas com a cozinha. Como no dia em que viram na praça da vila um senhor que formava figuras de animais com balões compridos e lembraram-se de repetir o mecanismo, mas utilizando pedaços de chouriço. Armaram não só animais conhecidos como ainda inventaram outros com pescoço de cisne, patas de cão e cauda de cavalo, para citar só alguns.
O problema surgia quando tinham de os desfazer para fritar o chouriço. A maior parte das vezes Tita recusava-se. A única maneira em que acedia voluntariamente a fazê-lo era quando se tratava de elaborar as tortas de Natal, pois adorava-as. Então, não só deixava que desfizessem um dos seus animais, como observava alegremente enquanto se fritava.
É preciso ter o cuidado de fritar o chouriço para as tortas em fogo muito lento, para que desta maneira fique bem cozido, mas sem dourar excessivamente. Quando está pronto retira-se do lume incorporam-se-lhe as sardinhas, a que anteriormente já se retirou esqueleto. É necessário, também, raspar com uma faca as manchas negras que têm sobre a pele. Juntamente com as sardinhas misturam-se a cebola,
os pimentos picados e o orégão moído. Deixa-se repousar a preparação, antes de rechear as tortas.
Tita tinha um prazer enorme neste passo pois enquanto o recheio repousa é muito agradável sentir o cheiro que exala, pois os cheiros têm a característica de reproduzir tempos passados juntamente com sons e cheiros nunca igualados no presente. Tita gostava de fazer uma inalação profunda e viajar juntamente com o fumo o cheiro tão peculiar que sentia até aos recônditos da sua memória.
Foi em vão que procurou evocar a primeira vez que cheirou uma destas tortas, sem resultado, porque talvez tivesse sido antes de ela nascer.
Talvez a estranha combinação das sardinhas com o chouriço tivesse chamado tanto a sua atenção que a fez decidir-se a renunciar à paz do éter, escolher a barriga da Mamã Elena para que fosse sua mãe e desta maneira fazer parte da família De la Garza, que comia de forma tão deliciosa e que preparava um chouriço tão especial.
No rancho da Mamã Elena a preparação do chouriço era um autêntico rito. Com um dia de antecedência era preciso começar a descascar alhos, a limpar chiles e a moer especiarias. Todas as mulheres da família tinham de participar: a Mamã Elena, as suas filhas Gertrudis, Rosaura e Tita, Nacha a cozinheira e Chencha a criada. Sentavam-se de tarde à mesa da sala de jantar e entre conversas e brincadeira o tempo voava até começar a escurecer. Então a Mamã Elena dizia:
— Por hoje, acabámos isto.
Dizem que para bom entendedor meia palavra basta, e por isso depois de ouvirem esta frase todas sabiam o que tinham de fazer. Primeiro levantavam a mesa e depois dividiam as tarefas: uma recolhia as galinhas, outra tirava água do poço e deixava-a pronta para ser utilizada ao pequeno almoço e outra encarregava-se da lenha para o fogão. Nesse dia não se passava a ferro nem se bordava nem se cosia roupa. Depois iam todas para os seus quartos ler, rezar e dormir. Numa dessas tardes, antes de a Mamã Elena dizer que já podiam levantar a mesa, Tita, que contava então quinze anos, anunciou com voz tremente que Pedro Muzquiz queria vir falar com ela...
— E acerca de quê quer esse senhor falar comigo?
Disse a Mamã Elena depois de um silêncio interminável que apertou a alma de Tita.
Com uma voz que mal se ouvia respondeu:
— Não sei.
A Mamã Elena lançou-lhe um olhar que para Tita encerrava todos os anos de repressão que tinham flutuado sobre a família e disse:
— Pois vale mais que o informes que se é para pedir a tua mão, que não o faça. Perderia o seu tempo e far-me-ia perder o meu. Sabes muito bem que por seres a mais nova das mulheres cabe-te a ti cuidares de mim até ao dia da minha morte.
Dizendo isto, a Mamã Elena pôs-se lentamente de pé, guardou os óculos dentro do avental e em jeito de ordem final repetiu:
— Por hoje, acabámos isto!
Tita sabia que dentro das normas de comunicação da casa não estava incluído o diálogo, mas mesmo assim, pela primeira vez na vida tentou protestar contra uma ordem da mãe:
— Mas é que eu acho que...
— Tu não achas nada e acabou-se! Nunca, durante gerações, ninguém na minha família protestou contra este costume e não vai ser uma das minhas filhas a fazê-lo.
Tita baixou a cabeça e com a mesma força com que as suas lágrimas caíram sobre a mesa, assim caiu sobre ela o seu destino. E a partir desse momento ela e a mesa souberam que não podiam modificar nem um bocadinho a direcção dessas forças desconhecidas que as obrigavam, a uma, a partilhar com Tita a sua sina, recebendo as suas amargas lágrimas desde o momento em que nasceu, e a outra a assumir esta absurda determinação.
No entanto, Tita não estava conformada. Uma grande quantidade de dúvidas e inquietações acudiam à sua mente. Por exemplo, gostaria de saber quem é que teria iniciado esta tradição familiar. Seria bom fazer saber a essa engenhosa pessoa que no seu perfeito plano para garantir a velhice das mulheres havia um pequeno erro. Se Tita não podia casar nem ter filhos, quem é que ia então cuidar dela quando chegasse à senilidade? Qual era a solução acertada nestes casos? Ou seria que não se esperava que as filhas que ficavam a cuidar das mães sobrevivessem muito tempo depois do falecimento das suas progenitoras? E onde é que ficavam as mulheres que se casavam e não podiam ter filhos, quem é que se encarregaria de tomar conta delas? E mais, queria saber, quais foram as investigações levadas a cabo para concluir que a filha mais nova era a mais indicada para velar pela sua mãe e não a filha mais velha? Alguma vez se tomara em conta a opinião das filhas em causa? Era-lhe permitido, pelo menos, já que não podia casar-se, conhecer o amor? Ou nem sequer isso?
Tita sabia muito bem que todas estas interrogações tinham de passar irremediavelmente a fazer parte do arquivo de perguntas sem resposta. Na família De la Garza obedecia-se e ponto final. A Mamã Elena, ignorando-a por completo, saiu muito enfadada da cozinha e durante uma semana não lhe dirigiu a palavra.
O reatamento desta semicomunicação teve origem quando, ao revistar os vestidos que cada uma das mulheres tinha estado a coser, a Mamã Elena descobriu que mesmo sendo o mais perfeito aquele que Tita confeccionara, não o tinha alinhavado antes de o coser.
— Parabéns — disse-lhe —, os pontos estão perfeitos, mas não o alinhavaste, pois não?
— Não — respondeu Tita, espantada por ela ter suspendido a lei do silêncio.
— Então vais ter de o desmanchar. Alinháva-lo, cose-lo novamente e depois vens ter comigo para que o reviste. Para que não te esqueças que o desleixo e a mesquinhice têm caminho duplo.
— Mas isso é quando nos enganamos e a senhora foi a própria a dizer ainda agora que o meu era...
— Vamos começar outra vez com a rebeldia? Já tinhas feito o suficiente com essa de te teres atrevido a coser quebrando as regras.
— Perdoe-me, mãezinha. Não volto a fazer.
Tita conseguiu com estas palavras acalmar a zanga da Mamã Elena.
Tinha posto muito cuidado ao pronunciar o «mãezinha» no momento e com o tom adequado. A Mamã Elena achava que a palavra mamã parecia falta de respeito, e por isso obrigara as suas filhas desde crianças a utilizarem a palavra «mãezinha» sempre que se lhe dirigissem. A única que resistia a isto ou que pronunciava a palavra num tom inadequado era Tita, e por causa disso tinha leva-(In lima infinidade de bofetadas. Mas, naquele momento, como conseguira dizê-lo tão bem! A Mamã Elena sentia-se reconfortada com o pensamento de que talvez estivesse a conseguir dobrar o carácter da mais nova das suas filhas. Mas, infelizmente, acarinhou esta esperança por muito pouco tempo, pois no dia seguinte apareceu lá em casa Pedro Muzquiz acompanhado do senhor seu pai com a intenção de pedir a mão de Tita. A presença dele na casa causou um grande desconcerto. Não esperavam a sua visita. Dias antes, Tita mandara um recado a Pedro pelo irmão de Nacha pedindo-lhe que desistisse dos seus propósitos. Aquele jurou que o tinha
entregado ao senhor Pedro, mas a verdade é que eles apareceram lá em casa. A Mamã Elena recebeu-os na sala, comportou-se de uma forma muito amável e explicou-lhes a razão pela qual Tita não se podia casar.
— Claro que se o que lhes interessa é que Pedro se case, ponho à sua consideração a minha filha Rosaura, só dois anos mais velha do que Tita, mas totalmente disponível e preparada para o casamento...
Ao ouvir estas palavras, Chencha por pouco entornava por cima da Mamã Elena a bandeja com café e bolachas que tinha levado à sala para aconchegar o senhor Pascual e o filho. Desculpando-se, retirou-se apressadamente para a cozinha, onde estavam à sua espera Tita, Rosaura e Gertrudis para que lhes fizesse um relatório pormenorizado do que acontecia na sala. Entrou atrapalhadamente e todas interromperam imediatamente os seus trabalhos para não perderem uma só das suas palavras.
Encontravam-se ali reunidas com o propósito de prepararem tortas de Natal. Como o seu nome o indica, estas tortas são confeccionadas durante a época natalícia, mas nesta altura estavam a fazê-las para festejar o aniversário de Tita. A 30 de Setembro faria 16 anos e queria celebrá-los a comer um dos seus pratos favoritos.
— Então nã hã-de lá ver? A sua mamã fala de estar preparada para o casamento como se fora um prato de enchiladas!

"Como água para chocolate" - Laura Esquível


P.S. A imagem anterior é pirosa. O amigo imaginário merece melhor. Vou ver se arranjo. Prometo. Mas se calhar até gosto dessa pirosice.
Como dizia o poeta: "É claro que te amo.
E tenho tudo para ser feliz.
Mas, acontece que sou triste".
Vá lá entender...

Desculpas.

Acusam-me de arranjar desculpas para tudo e mais alguma coisa, mas eu posso explicar.