terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Vive


Não sejas previsível. Promove a asneira. Não penses tudo, nem em tudo, até porque assim que fazes coisas já mudaste o que pensavas. Renega a normalidade, essa que nunca será por ninguém lembrada. Lembramo-nos das bebedeiras, dos enganos, das desilusões, das cenas patéticas com que nos brindámos. Promove a asneira. Ultrapassa o silêncio, ganha-lhe em velocidade, cansa-o em fundo. Estimula a timidez. Fala. Não te cales, nunca te cales. Promove a asneira. Não há receituários para criar filhos, tampouco para despistar o passado. Não existem formulários para fazer asneiras. Não sejas tão sério, sê mais “alegremente embriagado”, pois que a alegria interroga, já o ser sério afirma taxativamente. Só quem ri restitui o ar que o alimenta. Grita à janela. Berra a quem precisa de viver. Não uses agendas, post-its, nem alarmes no telefone. Mete um horário de comboio no bolso de trás. Quando chegares a casa varre os pés para o chão. Comete imprudências, caminha ziguezagueando, nunca a direito, caso contrário perdes as histórias na tua sombra. Não digas que sabes quando nem sequer ouviste o que te disseram. Mete uma pedra no bolso e leva-a a passear. Mata as saudades do que não te serviram jantando sozinho. Dorme nos filmes de autor, emociona-te nas comédias light. Ama sem contratos assinados e reconhecidos. Reconhece-te. Desengana-te. Deixa de ser o que os outros esperam que sejas. Mete uma fotografia tua numa garrafa e lança-a ao mar. Vive no domingo, volta tarde. Nunca limpes a casa à segunda-feira. Intercala expirações com beijos. Comete imprudências. Nunca ninguém se lembra da normalidade. Não tatues memórias do que não disseste, do que não fizeste. Obriga-te. Mil vezes ter coragem para mentir que medo de dizer a verdade.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Porque(?)


Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Ai, ai...


Atravesso Dezembro expectante, com um peso no peito (o eco de vários natais, ais, ais, passados).
O lado emocional irrompe como granito que atravessa a carne.
A mão estica-se até tocar o rosto de Janeiro.
bem vistas as coisas,
um blogue iconoclasta dá menos nas vistas no ecrã do local de trabalho.

Artes e Rubbish(adas)


Ainda sobre o post anterior digo: é cada vez mais difícil saber quanto é que, daquilo a que se resolveu chamar 'arte contemporânea' deveria estar no lixo e quanto é que, do que se perdeu no lixo, se lamenta que não esteja num museu.

Fazer dinheiro é arte


Damien Hirst ao lado de Anatomy of an Angel, na Sotheby's

«Quando, em 1494, o banco Medici faliu em Florença, os artistas e pintores a que a família generosamente encomendava trabalhos entraram em pânico. Acabara o mecenato. O banco Medici falira, devido à depressão económica e à agressão francesa. Tudo mudou. Enquanto bancos vão à falência, enterrando um modelo de negócio, nunca a arte conheceu dias tão rentáveis. Parece um paradoxo. O Lehman Brothers não conseguiu atrair dinheiro fresco e, ao mesmo tempo, em Londres, a Sotheby's continuava o seu leilão de 223 novas obras do artista Damien Hirst, tendo até agora atingido um valor de vendas de 126 milhões de euros. Isto é, quando falta liquidez para salvar um banco, há dinheiro a mais para comprar obras de arte que ainda não foram testadas pela sensatez do tempo. Um banco vale, hoje, menos do que as obras experimentais de Hirst. Isto é, uma obra cujo valor é garantido pela subjectividade é hoje considerada um investimento mais seguro do que um banco de investimento. Para além do leilão modificar radicalmente as regras de negócio das obras de arte, ele perpetua duas lógicas: a que começou nos anos 60, em que a arte começou a ser considerada um investimento, e, nas palavras de Andy Warhol, que "fazer dinheiro é arte e trabalhar é arte e bons negócios são a melhor arte". Donde quase se poderia dizer que a subjectividade da arte venceu a subjectividade dos produtos financeiros derivados. Os artistas derrotaram aqueles que foram os seus mecenas? Será esta a nova forma de negócio que aí vem?»
Fernando Sobral, A arte e a finança, hoje, no Jornal de Negócios


sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Nataljaking!


Mais uma vez o meu pesadelo natalício repete-se.
Esta moda grotesca de pôr pais natais pendurados nas janelas e varandas, qual gang em pleno assalto, tira-me do sério. Detesto! E o pior é que veio pra ficar. Natal após Natal. A melhor descrição deste pesadelo é mesmo a palavra repetição.
O Natal é quando o homem quiser? Com certeza. Assim sendo, se não se importam, podiam tratar do assunto em Agosto, quando estou fora. Obrigada.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Circunspecção

Todos e cada um de nós possui, revelando-se numa específica e determinada altura da nossa vida, qualquer coisa de especial. Esta revelação acontece uma única vez, como se de uma chama se tratasse. As pessoas atentas, precavidas, conservam zelosamente essa chama, inflamam-na e usam-na qual porta-estandarte como iluminação-guia no que todos (embora de formas tão diferentes como singulares) chamam viver. Atente-se que, uma vez apagada, muito dificilmente, para não gastar nunca, se volta a acender. Não é por força de riscar fósforos numa caixa molhada que estes se vão acender…
Depois, no escuro, é difícil caminhar no breu. Torna-se insuficiente calcorrear caminhos sozinho. Tornamo-nos pobres à força de pensar nas coisas única e exclusivamente por nossa conta, limitamo-nos gravemente à nossa perspectiva.
Estar sozinho pode tornar-se uma coisa terrivelmente depressiva.
Já para aqui tinha dito que sou muito precavida?

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Deolinda - Movimento Perpétuo Associativo

RIP


Gostaria de saber quem foi o iluminado que substituiu este ícone divertido, que nos era tão familiar e a quem confiavamos os quatro números sem pestanejar, por esse outro boneco ridículo, irritante. E os estudos de marketing que não devem ter antecedido a substituição! Fazer questão de mudar pra pior. É lema deste país?