quarta-feira, 18 de junho de 2008

Breve deambulação pelo mundo da inveja


Deixem-me brincar um pouco à volta de um fenómeno, o da inveja nacional, e regional, que tem por hábito divertir-me e deixar-me num estado de excitação que poucas mulheres conseguem...
O fenómeno é cultural, e universal, caso não o fosse não teria sido eleito à escala mundial como um dos 7 pecados que um dia alguém resolveu listar. Vá lá saber-se com que intenção.
O fenómeno corrói os que invejam e atormentam muitos dos que são invejados. Provoca noites de insónia, olheiras profundas, palavras envenenadas, boatos inquinados.
A inveja, enquanto característica humana, tem sido explorada em variadíssimas vertentes. Desde piadas, anedotas, filmes, frases lapidares que ainda hoje fazem história, letras de música, spots comerciais e um sem fim de recursos devidamente aproveitados e sustentados nesta inesgotável fonte de inspiração.
A inveja consegue enraizar-se de tal forma nos que por ela são contaminados que, qual nódoa profunda e teimosa, resiste a todo e qualquer produto de limpeza, sendo para tal necessário recorrer à imagem tantas vezes divulgada de pegar numa tesoura e cortar à volta da...mancha. Ora, no caso dos invejosos, a solução será pegar numa tesoura ainda maior, romba de preferência, e cortar a eito tudo o que forem línguas maldosas e dedos escrevinhadores para que assim lhes seja castrada essa infame tendência. E poderem, finalmente, entrar no tão desejado (apenas por alguns...) reino dos céus.
A inveja é uma forma de estar nacional. Nasce com o ser humano. Em alguns desenvolve-se, noutros nunca se declara. Bem hajam uns e outros! Porquê? Porque aqueles que a desenvolvem serão sempre motivo de chacota e gozo dos que, estando por fora, ou seja, "os outros", vão tranquilamente apreciando os estertores e tiques dos infectados.
O meu vizinho inveja-me porque eu tenho uma caixa de correio não normalizada ou formatada pela UE ou pelos ditames do construtor. O meu colega de escritório inveja-me porque a minha mulher é bem melhor que o milho (isto é, a mulher dele que não passa de uma espiga mal amanhada). O meu médico dentista inveja-me porque a minha dentadura é melhor que a dele. O meu suposto amigo inveja-me porque o meu carro tem mais dois cavalos de potência que o seu. O gajo que me serve o chá na esplanada inveja-me porque o meu telemóvel já vai na septuagésima geração e o dele ainda não passou da segunda. O meu cliente inveja-me porque consigo ter uma postura anti-subserviente perante si. E por ai fora num interminável rol de situações que serão sempre invejadas por tantos que, de uma forma ou de outra, se cruzam connosco ao longo da vida.
Na Madeira a inveja ganha estatuto superior. É levada pela mão em quase todas as situações do dia-a-dia. Para o emprego, para o jardim, para o café, para a praia, para o cinema, para a galeria de arte, para a reunião de qualquer coisa, para a livraria, para a padaria, para a modista, para o cabeleireiro, para os jornais. Eu sei lá....!
Na Madeira, como aliás em todo o restante território nacional, se fazes bem és invejado, se fazes mais és invejado, se fazes melhor és invejado, se apareces mais és invejado, se tens sucesso és invejado, se sorris és invejado, se tens um carro topo de gama és invejado, se apareces muito nas colunas sociais és invejado, se publicas mais livros és invejado, se apresentas programas de sucesso na televisão és invejado, se és charmoso e vestes bem és invejado, se tens uma boa casa com obras de arte és invejado. Até se a tua pilinha for maior e mais rechonchudinha... és invejado!
Enfim, invejado por ter ou não ter cão, eis uma forma triste, mas lamentavelmente autêntica, de ser português.
O que fazer nestes casos? O que eu faço: rir, tornar-me um pouco mais arrogante, olhar com pena os invejosos, trabalhar mais, melhor, com mais sucesso, gozar publicamente com eles, dormir uma noite inteira, aparecer cada vez mais, falar no mesmo tom ou, se possível, um pouco mais baixo do que eles, enfrentá-los na praça pública (o que eles sofrem nestas ocasiões...), porque sei, todos os não invejosos sabemos, que o invejoso é um animal cobarde, assustado e que ao mínimo sinal de perigo se enfia na toca e desaparece por algum tempo. Claro que mais tarde tentará voltar a atacar. Mas nessa altura já muita água correu sob as pontes e os não invejosos ganharam mais distância e continuaram imperturbáveis no trilhar do seu caminho de sucessos.
Aos invejosos de todo o mundo, aos portugueses em geral e aos madeirenses em particular, com um especial carinho, deixo estes presentes que jamais se perderão no tempo. Porque sempre haverá invejosos. E sempre haverá invejados.
"O invejoso emagrece com a gordura dos outros" (Horácio)
"O homem que não tiver virtude própria sempre invejará a virtude dos outr os" (Francis Bacon)
"Enunciar imperfeições ou enumerar defeitos é o modo mais banal (e cobarde) de invejar" (Eduardo Sá)
"A virtude neste mundo é sempre maltratada, os invejosos morrerão, mas a inveja é poupada" (Pierre Corneille)
E para mim o melhor:
"Os ataques de inveja são os únicos em que o agressor, se pudesse, preferia fazer o papel de vítima" (Niceto Zamora)

António Barroso Cruz © 2007

1 comentário:

Manuela © disse...

Esta deambulação fez-me rir.
Bem visto!

Depois com mais tempo venho cá ver tudo :)